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Caro Amante E Estudioso da Arte Animada

Estamos no nosso 3o. ano de constante alimentação do nosso animado index, AdA, onde tivemos o apoio da Professora Dra. Índia Martins (UFF),...

Mary e Max, uma Amizade Diferente

  

Resenha de Filme em Revista On-line
(indexado pela 1a. vez em 10/10/2012)


Autor: Eliane Gordeeff
RevistaEducação Pública
ÓrgãoFundação Centro de Ciências e Educação Superior a Distância do Estado do Rio de Janeiro
Ano: 2010

País: Brasil

Mary e Max – Uma amizade diferente, longa-metragem em animação que está em cartaz no circuito brasileiro, aborda uma amizade improvável entre um nova-iorquino de 44 anos e uma menina australiana de oito. Ambos são solitários e, apesar das diferenças de idade e de cultura, o relacionamento vai se estabelecendo na base da confidência e do apoio mútuos, através das inúmeras cartas trocadas entre eles ao longo de 18 anos.

Max Jerry Horowitz é judeu, obeso, com síndrome de Asparger (um tipo de autismo); frequenta com relutância as reuniões dos Vigilantes do Peso e mora sozinho em Nova York. Seu único amigo é Afonso Ravioli, um amigo imaginário que vive sentado num banquinho de madeira num canto do cômodo – depois que seu psiquiatra lhe disse que ele não existe. Max também divide seu apartamento com o gato Hal – abreviatura de Halitose (Max tem mau hálito) –, que sempre come o peixinho do aquário do dono. É viciado em cachorro-quente com barra de chocolate (ao invés de salsicha).

Do outro lado do mundo, na Austrália, Mary Daisy Dinkle é a filha única não planejada de um casal. Gordinha e desprezada pelos colegas de escola, tem uma manchinha na testa “cor de coco”, segundo ela mesma. Sua mãe é fumante e alcoólatra (sonhava ser cantora) e o pai é operário de uma fábrica de chá, responsável por colocar os barbantinhos nos saquinhos de chá. O único amigo da menina é o vizinho Len, que perdeu as pernas na II Guerra Mundial, sofre de agorafobia (transtorno de ansiedade) e não sai de casa. Mary tem amizade também pelo galo Mister Biscuit, seu bichinho de estimação, e adora leite condensado.

Lendo isso tudo, é possível achar graça e qualquer um pode pensar que se trata, no mínimo, de uma piada de mau gosto. Mas esses personagens compõem o núcleo principal desse filme animado, produzido na técnica stop motion – a mesma utilizada nos filmes Fuga das Galinhas e A Noiva Cadáver –, mas que, como você já deve ter constatado, não tem nada de infantil.


Apesar das diferenças e da distância entre os dois personagens, a amizade entre eles nasce por meio de uma carta enviada por Mary, aleatoriamente, a um remetente de Nova York. Seu dedinho cai sobre o nome de Max, na lista de um catálogo de endereços da agência dos correios. Ela quer um amigo com o qual possa conversar e lhe responder de onde vêm os bebês – já que a mãe lhe disse que nascem de copos de cerveja. Max recebe a carta surpreso – tem um pequeno ataque de ausência –, mas se interessa em responder àquela carta que vem de tão longe, escrevendo que em Nova York “os judeus nascem de ovos postos por rabinos; os católicos, por ovos postos por freiras; e os ateus, por ovos postos por prostitutas”. O drama e a comédia permeiam a narrativa constantemente. Dessa troca de cartas, aparentemente absurda, inicia-se uma profunda amizade entre dois seres absolutamente solitários. Max nunca teve um amigo (a não ser Afonso Ravioli) nem um relacionamento com uma mulher, enquanto Mary é hostilizada por seus colegas de escola e não tem a atenção de seus pais.

É a solidão que reforça a troca de experiências e a cumplicidade entre os dois correspondentes, apesar de todas as diferenças, regadas a muito chocolate e leite condensado – ambos são apaixonados por doce, como não poderia deixar de ser. Assim Mary vai se tornando uma mulher – com todas as mudanças decorrentes desse fato: se casa, se gradua –, enquanto Max engorda, ganha na loteria, se desfaz do dinheiro, é internado algumas vezes... E por aí vai. É esse o grande destaque de Mary e Max: é a riqueza na construção dos personagens e das situações pesadas, de sofrimento real (são representações de sofrimentos verdadeiros), mas sem cair no vulgar, mesclando com momentos cômicos – a vida não é assim?

O desenrolar da história vai apresentando outras situações que provocam reflexões sobre comportamentos sociais, sobre abandono, consumo, limitações humanas, o valor do dinheiro, o respeito e logicamente, a amizade – não há como não lembrar de Nunca te vi, sempre te amei (1987).

E isso através de bonecos.

Em termos estéticos, os personagens e todo o design da animação é um pouco caricato, e mantém o desenho de outras produções do diretor/animador Adam Elliot, seguindo a mesma narrativa melancólica de Harvei Krumpt (2003), curta-metragem que lhe rendeu o Oscar de Melhor Animação. O ambiente de Nova York é retratado em tons de cinza – a cidade fria –, enquanto o australiano é mostrado em tons terrosos. O colorido só aparece em elementos que sinalizam prazer e afeto para os personagens: no pompom que Mary envia a Max, na língua dos personagens (ambos têm prazer em comer), nos chocolates, milk-shakes, nos lábios das personagens femininas. Os pensamentos dos personagens são apresentados na tela por meio de animações, em sua maioria em desenho animado, e não com bonecos. Isso cria uma diferença imagética dentro da história, entre o que acontece e o que é imaginado pelos personagens.

Emprestam suas vozes Toni Collete (Pequena Miss Sunshine) para Mary adulta, Philip Seymour Hoffman (Capote) para Max, e Eric Bana (Munique) para Damien – o amor de Mary. A narração é feita pelo ator australiano Barry Humphries. É possível também reconhecer várias músicas que pontuam a história.


Mary e Max é um filme que deve ser visto por todos, mesmo por crianças. Numa sociedade tão individualista, em que a tecnologia nos aproximou nos distanciando cada vez mais, é bom ver aquele personagem solitário recebendo e lendo cartas – por correio, não é e-mail – escritas à mão por sua pequena amiga. Não há como não se identificar com Max quando este olha pela janela de seu apartamento ou quando assiste à TV. Este filme é uma ótima fonte de questionamentos, reflexões e aprendizado.

Escrito e dirigido por Elliot, Mary e Max foi baseado na história do próprio Elliot, que teve um amigo (com Síndrome de Asparger) morador de Nova York, com o qual se correspondeu por 20 anos. Foi selecionado para a noite de abertura do Sundance Film Festival de 2009, premiado no Festival de Animação de Annecy (o mais importante na área), no Festival de Zagreb e no de Stuttgart, entre outros.

Mais informações, visite http://www.maryandmax.com/
Para ver o trailer, acesse: http://www.youtube.com/watch?v=MgRjB8PEDkM

Para o texto completo, clique aqui!